terça-feira, 20 de julho de 2010

Direito, justiça e a defesa do sufrágio universal


O sufrágio universal é conquista do século XVIII e inspirado pelos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, pregados exaustivamente pela Revolução Francesa. Naquela oportunidade, a população se insurgiu contra a tirania "Real" e impôs uma derrota acachapante, mostrando ao mundo que quem dá o tom é o povo. Um governo do povo - ou da maioria dele – foi empreendido na França inaugurando “um novo tempo” naquele país.

Isso vem a propósito de análise superficial que temos verificado na cena atual da política nacional. Falo da judicialização do processo eleitoral, cujo fenômeno se apresenta crescente na nossa experiência democrática. Não que defendo a anarquia, tampouco o descontrole jurisdicional, até por ser estudante de Direito os defendo veementemente. Contudo, é inegável que há perversão em uma democracia cujo eleito é o segundo colocado. Desconheço que assim seja em outros países. Quando o eleito é cassado por corrupção eleitoral, presumem-se duas coisas: a) que o processo eleitoral foi ilegítimo e b) que os órgão de fiscalização falharam em sua missão.

Fruto da inspiração popular e de essência extremamente importante para o bom exercício da democracia política, a lei denominada “ficha limpa” é um avanço, especialmente no que tange a vedação aos maus políticos, numa demonstração inequívoca de que a sociedade quer fazer sua parte, mudando o atual cenário e respondendo à classe política de que está na hora deles fazerem jus ao papel exercido por cada um deles. Neste sentido, é bom destacar que por inércia do atual Congresso Nacional, deputados e senadores não mais legislam nesse país, cabendo tão somente ao Presidente da República e a própria justiça, o que é uma grande excrescência em uma república tida como democrática.

Sobre a lei “ficha limpa”, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) definiu que a novel legislação torna inelegíveis os políticos condenados antes do dia 7 de junho, data em que a nova norma foi publicada no Diário Oficial da União. Ou seja, a lei já se aplica nas eleições deste ano, impedindo que os candidatos se registrem no pleito de outubro. O embasamento jurídico é suportado por decisões anteriores do Supremo Tribunal Federal (STF) nas quais a inelegibilidade não foi considerada uma pena e, portanto, pode ser aplicada a fatos anteriores à vigência da lei. De outra sorte, o ministro Marco Aurélio Mello entendeu que a proibição de se candidatar trata-se de uma pena e, por isso, não poderia ser aplicada por uma lei que não existia na época da condenação. Para ele, uma lei nova não pode retroagir para atingir eventos cometidos no passado.

Muito embora haja um anseio popular e até pessoal de aplicação imediata, juridicamente sua retroação é uma anomalia. Ora, não pode o estado democrático de direito permitir que uma Lei retroaja, ainda mais quando se trata de matéria de pena. Por certo que o candidato que tem sua candidatura impedida está por ser apenado pela lei e não é justo que a lei nova atinja atos pretéritos a sua vigência.

No mais, outra questão controversa é da suposta colisão com o Princípio de presunção de inocência. Note-se que o disposto no art. 5º, inciso LVII da Constituição Federal — “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” é o preceito basilar desta argumentação. Garantias constitucionais como presunção de inocência, devido processo legal, direito ao contraditório e a ampla defesa, são preceitos fundamentais na sociedade democrática de direito. Não se pode apenar o cidadão por culpa exclusiva da mora do judiciário. A possibilidade de aplicar a pena antes da condenação com transito em julgado é reflexo claro da demora do judiciário em por cabo aos conflitos judiciais no Brasil.

Sabe-se que a jurisprudência do STF indica que a presunção de inocência é, de fato, de extrema importância. Em 2008, o Supremo respondeu negativamente à ação ajuizada pela Associação dos Magistrados Brasileiros que pretendia dar a juízes eleitorais a prerrogativa de barrar a candidatura dos políticos “ficha suja”.

“A presunção da inocência, legitimada pela idéia democrática, tem prevalecido, ao longo de seu virtuoso itinerário histórico, no contexto das sociedades civilizadas, como valor fundamental e exigência básica de respeito à dignidade da pessoa humana”, segundo o entendimento do ministro Celso de Mello, relator da ação, em voto acompanhado por mais oito ministros.

Vozes contrárias defendem a constitucionalidade da Lei afirmando que se trata de uma punição administrativa e não de uma questão penal. Defendem, ainda, que por haver previsão de recurso da decisão colegiada desde que um grupo de juízes conceda autorização enquanto o recurso é analisado (efeito suspensivo), tal procedimento valida a sanção imposta.

Embora compreensível o esforço de ver impedida a candidatura de políticos com o passado duvidoso, não se pode atropelar o direito indo da via contrária da justiça. Se há recurso é porque há possibilidade de defesa e não está integralmente definida a culpabilidade do agente.

No mais, apesar de tudo, entendemos que a sociedade tem o mais eficaz remédio contra os maus políticos. É através do sufrágio universal do voto que cada cidadão brasileiro poderá fazer a verdadeira justiça, fazendo uma escolha livre, soberana e justa, sem interferências externas, cabendo tão somente a justiça o papel que lhe cabe, o de fiscalizar o processo eleitoral e garantir a licitude da festa democrática chamada eleição.


Ivandro Oliveira é jornalista formado pela UFPB e estudante de Direito da Faculdade de Ensino Superior da Paraíba/FESP

Nenhum comentário:

Postar um comentário