terça-feira, 6 de abril de 2010

Desabafo


Aprendi a fazer jornalismo sem sofrer a interferência estranha de quem não está sentado diante da máquina de escrever para contestar o escrito do colega. Explico melhor: Nunca, nos meus 32 anos de imprensa, recebi recado de algum figurão para dosar um texto ou até mesmo suprimir uma opinião. Imagine se o figurão tivesse o peito de determinar que eu não poderia falar disso ou daquilo!


Os tempos mudam, o calor de agora, por exemplo, não era tão quente há 32 anos passados. Quando aqui aportei, em 75, a cidade era banhada por uma brisa amena que soprava desde Tambaú e ganhava os bairros mais distantes. Agora não. O vento que sopra é quente, mormaçado, angustiante, matador. Ninguém consegue mais respirar o vento bom da brisa marítima. E não pode também recorrer às calçadas para a conversa noturna tão em voga naqueles ontens. Dentro de casa é o forno que castiga, na calçada é o assaltante que mata. Não resta opção, o mundo endoideceu.


Também mudou o jeito de escrever da imprensa. No começo, a romântica Oliveti dedilhava as letras no papel macio e branco, deixando nele a marca da verdade. Agora a máquina está aposentada, surgiu o computador, o faz tudo. Ontem a máquina oferecia o texto, que do papel era transportado para a perfuradora, passando depois pelas mãos do revisor, até chegar ao texto final para impressão. Hoje entra direto. Epa! Disse direto? Então errei. Nem tanto, caro mestre, nem tanto.


De uns tempos para cá apareceu a figura do trem pagador, do todo poderoso, do que dita normas, inventa regras, manda e desmanda no pensamento do jornalista, diz o que sai e o que entra, veta até mesmo presenças em determinados ambientes. Pago, logo posso, diz o poderoso de plantão, enquanto o formador de opinião enfia a viola no saco e cala a revolta num silêncio cumplice e covarde.


O mais triste é constatar que essas figuras poderosas nasceram no meio da imprensa, foram crias das redações, bateram nas teclas hoje em desuso da máquina moribunda, ralaram, reclamaram, protestaram contra as injustiças e pregaram a democracia plena, aberta, sem fronteiras. Bastou, porém, receberem a patente de comandante de alguma coisa para tirarem a máscara e mostrarem a verdadeira face, a face tirana, ditatorial, corrompida e corrupta, que não se constrange em comprar a mercadoria da palavra falada e escrita com a mesma facilidade com que se compra uma penca de bananas no meio da feira.


Até quando isso vai durar? Bem, acredito que até enquanto houver mundo. Só não sei se terei estômago para continuar convivendo nesse meio. Dá vontade, sinceramente, de largar tudo, recolher os troços e voltar pru meu sertão. Lá, plantando batas na beira do açude e escutando o galo de campina trinar nas alvoradas, estarei longe desse moído. A alienação, as vezes, é um santo remédio.

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